Qual a capacidade dos robôs entenderem as emoções?

A maioria das pessoas acredita que as suas escolhas e decisões são o resultado de um processo de análise racional e ponderado. Porém, na realidade, a forma como nos sentimos no momento e as emoções que guardamos no nosso subconsciente, influenciam (e muito) essas mesmas escolhas e decisões.

Esta é uma matéria que tem vindo a ser estudada em ramos como a neurociência ou psicologia das emoções, e que serve para perceber e justificar determinados comportamentos humanos. Mas não só, a forma como processamos as nossas emoções e sentimentos e os utilizamos para tomar decisões são, também, indicadores valiosos para a definição de estratégias de marketing de sucesso, baseadas na conexão emocional entre a marca e o cliente.

Ao longo deste artigo vou explicar, em primeiro lugar, qual a influência das emoções humanas na tomada de decisão e, em segundo lugar, como é que as interfaces conversacionais dotadas de inteligência artificial têm a capacidade para perceber essas mesmas emoções.

 

Emoção: um ingrediente presente em quase todas as decisões

Quando somos confrontados com uma decisão, as emoções relacionadas a experiências anteriores atribuem, de forma automática, valores às opções que estamos a considerar. Estas emoções acabam por criar preferências influenciando-nos a tomar determinada decisão. Quem nunca justificou escolhas com um simples “estou com um bom pressentimento” ou “este não me inspira confiança”?

Como dizia acima, este é um processo liderado em grande parte pelo subconsciente humano e que poucos têm a capacidade de controlar. Por isso, e se analisarmos esta questão do ponto de vista dos negócios, chegamos à conclusão que saber interpretar as emoções e os sentimentos dos consumidores deve ser um dos primeiros passos aquando da definição de qualquer estratégia ou plano de ação.

Por exemplo, sabia que ao avaliar as marcas/produtos, os consumidores baseiam-se principalmente em emoções (experiências pessoais e mood atual) do que propriamente em informações (atributos e características da marca/produto)? Desta forma, é seguro afirmar duas coisas:

  • Que as empresas que estabelecem uma conexão emocional com o seu público têm mais facilidade em realizar vendas;
  • Que as empresas que estabelecem uma conexão emocional com os seus clientes têm mais facilidade em fazer cross-selling ou up-selling.

Não é segredo nenhum que as equipas de vendas das empresas têm muito a ganhar se tiverem a capacidade e a sensibilidade de perceber o estado emocional do cliente e, assim, ajustar não só a comunicação como a oferta, de forma a persuadir subtilmente a tomada de decisão. E relativamente ao serviço de atendimento ao cliente, já alguma vez avaliou a importância de estabelecer uma conexão emocional?

 

A importância da conexão emocional no atendimento ao cliente

A conexão emocional é um tema vasto e que pode ser aplicado a diferentes áreas. Por acreditar que o serviço de atendimento ao cliente de um negócio é o espelho da sua eficiência e credibilidade, assim como o principal responsável por gerar confiança, foco este artigo nessa área específica. Afinal, qual a importância de estabelecer uma conexão emocional com o cliente no sentido de prestar um excelente serviço de atendimento? Como fazê-lo? E como pode a tecnologia ajudar?

Perguntas que respondo já a seguir.

 

Como estabelecer conexão emocional durante o atendimento ao cliente?

Em primeiro lugar, aconselho a adotar uma estratégia customer centric, assumindo a satisfação do seu cliente como o principal KPI (indicador de desempenho) em todo o processo de atendimento.

Em segundo lugar, deverá ter bem claro quais os objetivos do seu serviço de atendimento ao cliente. Podem ser vários, como por exemplo, esclarecimento de dúvidas, resolução de problemas, receção de reclamações, apoio à compra, etc.

Em terceiro lugar, garanta que o assistente tenha conhecimento de todos os processos internos referentes aos objetivos acima definidos, no sentido de dar seguimento de forma célere ao pedido/contacto do cliente.

Por último, o assistente deverá ter a capacidade de adaptação e sensibilidade tendo em conta os diferentes perfis de cliente. Ajustar a linguagem, indicar a melhor solução tendo em conta as suas expectativas e, muito importante, ter a flexibilidade para responder a qualquer questão, mesmo não estando esta diretamente associada ao seu departamento.

 

E como pode a tecnologia ajudar?

Facilitar processos. É este o propósito da tecnologia. Se pararmos para pensar, no nosso dia-a-dia, utilizamos a tecnologia para nos facilitar determinados processos ou tarefas. Um exemplo: graças à tecnologia, hoje eu pago as minhas despesas através da aplicação do meu banco. Há uns anos, teria de me deslocar ao multibanco mais próximo para o fazer ou então a um balcão de atendimento onde, provavelmente, existiria uma fila de espera.

No caso do atendimento ao cliente, têm sido vários os avanços feitos em tecnologia. Falo essencialmente de chatbots, ou assistentes virtuais, que apoiam os assistentes reais na triagem dos contactos, no esclarecimento das FAQs, etc.

Este é um dos avanços que tem contribuído para uma evolução natural da área do atendimento ao cliente, no entanto, contribui pouco ou nada para estabelecer conexão emocional. Ainda há muito caminho para percorrer, e a inteligência artificial é um deles.

 

Entender emoções humanas com a inteligência artificial

A inteligência artificial é uma tecnologia utilizada em diversas áreas. Um exemplo óbvio: a Netflix. Através da inteligência artificial e da sua componente de data analytics, são analisados os comportamentos, detetados os interesses do utilizador e comparados com milhares de outros utilizadores no sentido de identificar padrões comportamentais e, assim, recomendar o próximo filme ou série a assistir. Tal como a Netflix temos o Youtube, o Google, a Amazon, etc.

Detetar padrões é, hoje, a funcionalidade da inteligência artificial mais utilizada. Contudo, esta tecnologia é capaz de coisas muito mais interessantes, como por exemplo, entender as emoções humanas e ter a capacidade de responder de forma ajustada, reproduzindo o comportamento de um humano.

 

Quais os benefícios para o serviço de atendimento ao cliente?

Imaginemos a seguinte situação:

A intenção do cliente: cancelar o contrato com a sua operadora de telecomunicações. O que faz? Entra em contacto através de um dos canais de atendimento ao cliente – o chatbot disponível no website, e expõe a situação. As suas expetativas? Rapidez na resolução do problema. Como se sente? Chateado (as condições contratuais não foram cumpridas e o problema nunca foi resolvido) e ansioso (o prazo de cancelamento do contrato está a terminar e, caso não seja cancelado, renova automaticamente).

A partir do momento em que o cliente mostrou estar chateado e ansioso com a situação, só há um caminho a seguir – obedecer. Porém, o que acontece na maioria das vezes é exatamente o contrário – insistir para permanecer com o serviço. Este tipo de insistências por parte do assistente (o que lhe valeu uma conotação negativa por parte da maioria das pessoas) só vai agravar o estado emocional do cliente que, muito provavelmente, vai sentir a necessidade de promover junto dos meios online, família e amigos, uma má imagem da marca.

Trabalhar em atendimento ao cliente requer um alto nível de sensibilidade no sentido de poder tomar a melhor decisão (no caso acima, a melhor decisão que o assistente poderia tomar seria o cancelamento imediato do serviço, acompanhado de um pedido de desculpa). No entanto, esta qualidade não está ao alcance de todos. Pelo menos de forma contínua não. Isto porque os humanos também têm emoções e sentimentos, têm dias bons e dias menos bons, sentem cansaço e fadiga, sentem desgosto, são impulsivos, são apáticos e acima de tudo, sentem receio e medo de falhar. Imagine só que teria de atender todos os dias clientes chateados e ansiosos? Até que ponto iria manter a calma?

A inteligência artificial é, neste sentido, uma mais-valia para o serviço atendimento ao cliente pois tem a capacidade de perceber as emoções dos clientes e responder de forma adequada.

 

A Natural Language Processing (NLP)

Sem querer sem muito técnico, a NLP é uma área que resulta da convergência entre a computação, a inteligência artificial e a linguística, cujo objetivo é otimizar as interações entre computadores e pessoas através do processamento e análise de grandes quantidades de dados em linguagem natural. A linguagem natural refere-se ao tipo de linguagem que utilizamos no dia-a-dia.

Os algoritmos de linguagem natural ajudam os sistemas de atendimento ao cliente em dois pontos importantes:

Programar um assistente virtual com NLP é um processo contínuo e que conta com a participação ativa de um assistente real. O trabalho do assistente real é fundamental pois é este que ensina o assistente virtual a distinguir o positivo do negativo (“não quero” é negativo, “ok” é positivo e por aí adiante) e a identificar as emoções (“rápido por favor” pode significar impaciência, “quantas vezes preciso dizer que não estou interessado?” pode significar raiva).

Toda esta aprendizagem é desenvolvida com base em exemplos de relatos reais, que permitem criar exemplos dos estados emocionais dos clientes:

  • Muito insatisfeito. Neste caso a emoção associada poderia ser raiva e o relato “quantas vezes preciso dizer que não estou interessado? Já estou farto de o repetir!”.
  • Insatisfeito. Neste caso a emoção associada poderia ser impaciência e o relato “rápido por favor”.
  • Neutro. Neste caso a emoção associada poderia ser indiferença e o relato poderia reduzir-se a um simples “ok” ou “agradeço”.
  • Positivo. Este é o estado emocional menos comum pois ninguém utiliza um serviço de atendimento ao cliente para informar que está muito satisfeito com o produto ou serviço. A emoção associada seria a alegria.
  • Fora do fluxo. Este estado significa que a intenção do cliente está totalmente desajustada. É como se o cliente solicitasse o cancelamento do serviço mas, na verdade, o seu objetivo é esclarecer uma dúvida.

Do ponto de vista do assistente virtual, estes 5 estados são interpretados tendo em conta o grau (positivo ou negativo) e a magnitude (intensidade das emoções), como no gráfico a seguir:

A diferença entre o assistente real e o assistente virtual

Sim, um assistente real também consegue distinguir o positivo do negativo e perceber se um cliente está chateado, alegre ou indiferente.

O que um assistente real não consegue é interpretar instantâneamente a intenção do cliente, medir a probabilidade de que o cliente concorde (em não cancelar o serviço por exemplo) e dar de forma imediata a resposta que soluciona o problema do cliente. Já um assistente virtual dotado de inteligência artificial terá essa capacidade pois utilizada o machine learning e o big data como base da sua aprendizagem. Para além disso, e como referi acima, uma máquina não sente cansaço, não tem receios e mantém um discurso assertivo.

 

Mas, os robôs têm sentimentos?

Se os robôs tivessem sentimentos não eram robôs.

Não, os robôs não têm sentimentos. Os robôs têm sim uma elevada capacidade de aprendizagem, de armazenamento e de cruzamento de dados (informação), o que lhes permite entender os sentimentos e as emoções humanas.

A inteligência artificial é um tema desafiante, com inúmeras variáveis e com uma enorme ciência/tecnologia por trás. Filmes como “Her” ou séries como “Westworld” abordam na perfeição o tema e mostram como, por vezes, é difícil distinguir o que é artificial do real. No entanto, em ambos os casos, o grande responsável é o ser humano. E, no caso do atendimento ao cliente, o cenário repete-se: sem o treinamento de um assistente real, o assistente virtual não sabe distinguir o positivo do negativo e perceber se um cliente está chateado, alegre ou indiferente.

 

O futuro do serviço de atendimento ao cliente

A maioria dos clientes vê o atendimento ao cliente como o verdadeiro teste de quanto as empresas os valorizam. Neste sentido, e para permanecerem competitivas no mercado, as empresas precisam ganhar cada interação com os seus clientes. E qual é o caminho mais fácil? O atendimento ao cliente, claro. Afinal, sai mais caro angariar um novo cliente do que manter um já existente.

Dependendo da dimensão das empresas ou até mesmo do número de serviços que oferecem, o serviço de atendimento torna-se mais ou menos complexo. No entanto, é sempre indispensável. E, independentemente da sua complexidade, os padrões de qualidade devem manter-se altos.

A utilização de interfaces conversacionais dotadas de inteligência artificial com a capacidade de entender as emoções humanas, são o próximo passo na inovação da área do serviço de atendimento ao cliente e esta é uma medida que deve estar inserida no plano estratégico do negócio e integrada com todos os outros departamentos, nomeadamente, marketing, operações e, claramente, vendas.